
Lançado dois anos após Que País É Este, da imortalizada Faroeste Caboclo, este álbum foi de diversas maneiras um divisor de águas na
história da banda. Foi durante as gravações deste disco que ocorreu a saída do
baixista Renato Rocha, o Negrete, morto em fevereiro de 2015. O então baixista
da Legião era o mais introvertido do grupo, algo que ressentia muito o líder
visceral da banda. Punk por convicção, gostava mais das músicas pesadas da
banda, algo que não combinava com o estilo mais lírico do, ainda em germinação, As Quatro Estações. Outra
peculiaridade deste trabalho foi a virada na temática da banda até aquele
momento, partindo para uma temática mais poética e instrumental e deixando para
trás o hardcore presente nos três primeiros discos. O próprio Renato Russo
deixou claro isso em uma entrevista pouco antes do seu lançamento. “Não estou a
fim de falar de enchentes, Aids, governo. Quero cantar canções de amor, baladas
íntimas, musiquinhas para cantar junto. Já desisti de fazer músicas para salvar
o mundo. Eduardo e Mônica estão divorciados”.
Foram 16 meses de gestação deste álbum, entre concepção,
gravação, mixagem e lançamento. A mudança conceitual foi bem resumida na
frase: “Era pra ser mais Byrds e menos Sex Pistols”, dita por Renato Russo.
Entraram nos estúdios da EMI com temas mais espirituais que materiais: Buda,
Tao-te-king, São Paulo aos Coríntios, Luís de Camões. “A gravação de As Quatro Estações foi nosso calvário”, diria
Dado Villa-Lobos. “Mas foram os momentos mais criativos da banda em estúdio.
Tínhamos coisas experimentais, como Feedback song for a dying friend, com
aquela letra shaksperiana do Renato, que depois foi traduzida para o português
pelo Millôr Fernandes, com aquele trabalho de arranjos”.
A faixa Feedback song for a dying friend merece um capitulo à parte.
Sua letra foi composta em 1985, antecipava o pesadelo da Aids. Escrita em
inglês, foi traduzida por ninguém menos que Millôr Fernandes, tradutor de
Shakespeare e outros clássicos ingleses. Ele aceitou esse desafio não só pelo
dinheiro; gostava da música e do comportamento do autor do poema. Ao ler pela
primeira vez os versos da canção, fica intrigado:
- Como é que um cara que escreve tão bem em inglês me pede
para botar esses versos em português?
Percebeu sutis jogos de palavras, como no duplo significado
de “feedback” (além do sentido original “retorno”, a palavra também designa o
efeito de microfonia nos shows). Recusa a palavra “moribundo” como sinônimo de
“dying friend”. Faz a opção por “à morte”, para sair do tom doentio e ir para o
metafísico. “Canção retorno para um amigo à morte”, tradução para Feedback
song for a dying friend, é impressa no encarte prateado de As Quatro Estações,
novo disco do - agora oficialmente - trio, Legião Urbana. Ao ser lançada naquele
momento, essa canção foi vinculada diretamente com a morte em público de Cazuza,
soropositivo que decidira transformar a doença numa declaração política. “Era
importante como artista eu me posicionar sobre isso”, declarou Renato,
impressionado com o exemplo do colega. “Sejamos honestos: há uma relação
homossexual na música”.
A sexualidade, inclusive, que foi trazida à tona neste
disco. Pela primeira vez uma música de Renato falava abertamente sobre sua
opção sexual na canção Meninos e Meninas. Se antes, em Soldados ou Daniel na
cova dos leões, haviam referências veladas ao homossexualismo, aqui tudo era
tratado às claras, sem culpas ou medos. A faixa que precedia Meninos e Meninas
no disco, Maurício, também versava mais ou menos sobre o mesmo tema. Uma
dolorida canção de (des)amor, que Renato dizia fazer referência, no nome, a um
fã entrevado de Santa Maria RS, e no conteúdo a um caso que ficara pela estrada
da vida.
Fãs ou não, é praticamente impossível ignorar a importância
deste disco não apenas para o rock nacional, mas para a MPB como um todo.
Impressionantes 450 mil cópias haviam sido vendidas por antecipação e ao total
foram mais de 1,7 milhão de cópias, garantindo-lhe o disco de Platina. Além de
ser uma obra de referência para a geração que hoje está na casa dos 30, 40
anos, como este que vos escreve.
Quantos não tiraram seus primeiros acordes de violão
tentando tocar Quando o sol bater na janela do seu quarto ou cantaram a plenos
pulmões os famosos versos “E há tempos / Nem os santos têm ao certo / A medida
da maldade / E há tempos são os jovens / Que adoecem/ E há tempos / O encanto
está ausente / E há ferrugem nos sorrisos / Só o acaso estende os braços / A
quem procura / Abrigo e proteção...?
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